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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A ILHA SEM RIO

Pôr do sol nas margens do rio Amazonas, Parintins - 2010
Parintins, a ilha sem rio
A natureza nas cidades amazônicas propiciam invejáveis vantagens se comparadas à maioria das cidades brasileiras, sendo a principal delas o banho de rio. Bem, não é o que ocorre na cidade de Parintins, que tem seu sítio urbano espraiando-se num arquipélago, que teoricamente é um conjunto de ilhas (e que cada uma é uma porção de terras cercada de água por todos os lados). Irônico ou triste? Irônico para os que se apropriaram indevidamente das margens dos rios, lagos e igarapés, desfrutando egoisticamente dessa benesse que deveria ser de todos os parintinenses: o acesso ao rio como prática de lazer. Triste para a população que perde um dos mais prazerosos lazeres que a invejável hidrografia amazônica proporciona. Vemos figurões locais se apropriando das margens do Macurani, Parananema e Aninga, onde suas mansões, sítios e portos privatizam os balneários que a todos pertence. O que resta ao retante da população? O patético e espremido Canta Galo, o Buraco da Rosa (pra quem tem moto e dinheiro) e a torneira de suas casas! Ah, tem também a piscina do Amazon River que também só usa quem pode pagar!
 Natureza privatizada por elites egoístas. Nenhuma novidade.  Ocorre hoje nos condomínios do Tarumã em Manaus. A natureza assim torna-se a bola da vez do marketing e do “novo jeito de morar”.  Expulsem os caboclos pois agora morar na beira do rio é chic e sinônimo de status. Morar beira rio virou coisa de burguês. Isso sim é irônico.
De acordo com o Plano Diretor do Município de Parintins (que é lei e deveria ser seguido!), uma das atribuições da prefeitura seria a de instrumentalizar e capacitar a cidade para o turismo. Não é o que vemos como já explanamos acima. Ilha sem rio, população sem lazer, turismo sem atrações, seguimos em tortuoso rumo enquanto  somos comandados por pessoas que não possuem visão empreendedora municipal. Sim, empreendedorismo municipal. Isso existe, e Parintins já possui um dos capitais humanos mais valiosos do país: a criatividade, receptividade e o bom humor do povo parintinense. Digo isso pois conheço quase todo o país e estou convicto de minha afirmação. O que nos falta é tomarmos consciência de que podemos reger nossos destinos e elegermos pessoas muito mais capacitadas (e com visão empreendedora) do que as que nos mal governam atualmente. Sonífera ilha: espero que despertes.    
Estevan Bartoli é geógrafo e urbanista.
estevangeo@hotmail.com

DOS MITOS AMAZÔNICOS AO PENSAMENTO GEOGRÁFICO


DOS MITOS AMAZÔNICOS AO PENSAMENTO GEOGRÁFICO

Desde a passagem dos primeiros viajantes europeus, nos relatos e representações produzidos, até os atuais discursos, seja na mídia, escolas, ou corriqueiras conversas do dia-a-dia, persiste a idéia de enxergar a Amazônia pela temática ambiental.
A partir de discursos alheios à realidade local, o espaço amazônico passa a ser adjetivado através do exotismo, onde os “encantos”, “riquezas” e “mistérios” começam a se perpetuar no imaginário da população brasileira, a partir de idéias que vêem a região com uma ótica e uma lógica vindas de “fora”. Essas imagens idealizadas sobre a Amazônia alçadas ao senso comum, passam a povoar nosso inconsciente, onde os mitos criados ganham força e consistência duradoura.
Como dizia Armando Mendes já em 1974 em seu livro A Invenção da Amazônia, a imagem da região foi construída de fora para dentro, priorizando a paisagem, mas deixando invisíveis os seres humanos que aqui vivem.
Esses mitos sobre a Amazônia capturam parte significativa da realidade, pois são pautados na grandiosidade natural inegável da região, que alimenta delírios e deságuam em mitos que simplificam a realidade. Exemplos não faltam, vejamos alguns mitos famosos sobre a região desde os mais antigos, Eldorado, Paraíso Perdido, Celeiro do mundo, aos mais recentes Inferno Verde, Gigante Natural, Pulmão do mundo, Vazio Demográfico, entre muitos outros...
Assim, esses mitos são renovados ao bel prazer e a interesse de quem os produz, retornando com força e  reintroduzidos ao longo do tempo, onde a cada fase de apropriação da natureza amazônica, se torna preciso calar e minimizar as populações que aqui residem e impor a ideologia dominante.
A sensação de que há sempre algo a ser “descoberto” na Amazônia, leva a enxergarmos a região como promessa de resolver os problemas que estão fora dela. Ouro, madeira, drogas, remédios, eternas buscas do mercado global, que recentemente somam-se à água, soja, gado, biomassa e minérios, fora a biodiversidade vista como mercadoria.
Como esbravejaram alguns grupos à tempos: a Amazônia é do Brasil! Vamos aproveitar suas riquezas! Velho discurso que encontra força na “redescoberta” da região, onde a promessa atual paira na megabiodiversidade, colocada no pedestal como fonte futura das riquezas, passível de resolver todos os problemas regionais, mas constando como mais um termo que minimiza e simplifica a realidade local.
Nos meus 11 anos de magistério como professor de geografia, incontáveis foram as vezes que me deparei com pais e mães de alunos me dizendo: “mas como meu filho tirou nota baixa se geografia é só decoreba?”. Ouvir essa frase sempre me incomodou duplamente, pois sabia que meus alunos não obtiveram aprendizado suficiente, e que eu havia falhado em algum lugar, mas principalmente, por que a geografia persistia ainda em ser vista daquela maneira.   
Pois bem, aqui vai o convite para mergulharmos no Complexo da Amazônia analisado neste livro, como dizia Djalma Batista, usando a ciência geográfica como instrumento analítico das múltiplas realidades espaciais amazônicas. Biodiversidade? Sim, mas também sócio-diversidade, etno-diversidade, eco-diversidade, geo-diversidade, entre outras. Desmistificar parte das idéias errôneas sobre a região, e analisar a evolução da ocupação de seu espaço geográfico é a proposta desse livro, que visa instigar os alunos e professores a um rico debate sobre os destinos, alternativas e rumos da maior floresta tropical do planeta.
Preservação ambiental aliada aos avanços das condições sociais, geração de renda, mas principalmente distribuição de renda, melhorias urbanas (pois hoje 70% da população da Amazônia vive em cidades) mas principalmente o direito à cidade, à cultura e ao lazer, são questões e anseios de urgência frente ao depauperado quadro social amazônico agravado pelo aumento da pobreza.
 Se faz necessário buscar criativas alternativas para uma região ampla e heterogênea, mas com múltiplas vozes, democracia e participação popular. A tão recente e esperada democracia brasileira, não pode se refugiar no plano discursivo e deve ser reinventada “por baixo” e no nosso caso amazônico, “por dentro”, para não enrijecer como mito a qual ruma.
Para isso serve a geografia, para mostrar aos políticos e gestores dos distantes gabinetes de Brasília, que a Amazônia não pode nem deve ser o espaço de reserva do “desenvolvimento” predatório que avança sem critérios e sem respeito ao destino dos que aqui dependem da floresta.     
Hoje, como professor da Universidade do Estado do Amazonas sinto o anseio de repassar aos jovens estudantes que representam o futuro da Amazônia, parte do trabalho de grandes pesquisadores, que me emprestam a maior parte das idéias aqui empreendidas nesse livro me ajudando assim a derrubar mais um mito: o de que a geografia é só decoreba! Bons estudos.

Prof. Estevan Bartoli   

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A FLORESTA SOBRE PRESSÃO

A floresta sobre pressão

O principal indicador usado habitualmente para captar a pressão humana na Amazônia é a taxa de desmatamento, qualificado a partir da interpretação de imagens de satélites e acompanhado desde 1988 pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) através dos projetos DETER e PRODES. Mas esse sistema não consegue capturar a extensão das pressões humanas no bioma, pois seu monitoramento não mede áreas inferiores a 6,25 hectares, desconsiderando a pressão inicial de pequenos agricultores, que geralmente desmatam de 1 a 2 hectares por ano, não detectando também a pequena exploração madeireira, nem as estradas não oficiais. Outras limitações apontadas desse monitoramento por pesquisadores do IMAZON (Anderson, Barreto, Souza & Wilis 2005), surgem pois os dados e impactos de assentamentos de reforma agrária, pequenos focos de queimadas, projetos minerais e zonas urbanas não são integrados ao sistema, sendo portanto desconsiderados.
As pesquisas concluem que, quando inserimos tais dados, a área sobre pressão humana na Amazônia é ainda maior do que as projeções anteriores. A pressão consolidada cobre 19% do bioma, e as áreas de pressão incipientes (que estão se iniciando), principalmente as zonas em torno de focos de incêndio, cobriam 29% do bioma. Portanto, esse diagnóstico aponta que cerca de 47% do bioma Amazônico se apresenta sob pressão humana (figura 4).
A pressão consolidada como é sabido, ocorre principalmente em torno das estradas oficiais e dos grandes rios navegáveis. Nas rodovias, predomina esse tipo de ocupação no leste do Pará, norte do Mato Grosso, Rondônia e leste do Acre.  Já nos rios navegáveis o desmatamento é mais visível ao longo do rio Amazonas, na faixa que se estende de Manaus ao estuário. O leste da Amazônia é a área de desmatamento mais antigo, pois recebeu grandes projetos de mineração, exploração florestal e agropecuária já na década de 1960, possuindo maior densidade de circulação e núcleos urbanos, por isso a alta taxa desmatada e que ainda avança atualmente.

Recentemente, as áreas que mais cresceram em taxas de desmatamento foram as do sul da Amazônia, principalmente partindo de eixos que saem do estado do Mato Grosso em direção à Rondônia (BR-364) e sentido sul/norte em direção à Santarém (BR-163). 
Repare na figura 4 que as zonas de pressão incipientes se localizam principalmente em torno das regiões já consolidadas, ou avançando em seu eixo através de estradas não oficiais como vimos no capítulo 13. O destaque ocorre no entorno da BR- 163, que atravessa a Terra do Meio no Pará, cujo diagnóstico serve de base para criação de reservas e áreas de preservação no projeto que pretende asfaltar a rodovia em toda sua extensão. Nessa região, as terras indígenas encontram-se totalmente cercadas pelo desflorestamento, entre elas o Parque do Xingu, que funcionam como barreiras do desflorestamento. Algumas pressões também ocorrem a distâncias surpreendentes das grandes rodovias, relacionadas especialmente a recursos de altos valor como madeira nobre e ouro.

O BRASIL NÃO CONHECE O BRASIL - POR EDNA CASTRO

AULA 1 -   Disciplina: Geografia Humana da Amazônia
Prof. Msc Estevan Bartoli
TEXTO COMPLEMENTAR
FONTE http://www.textobr.com/2008
“Brasil não conhece o Brasil, o Brasil não conhece a Amazônia”
Segunda-feira, 22 de Setembro de 2008

A socióloga Edna Maria Ramos de Castro disse, no 1º. Encontro da Região Norte da Sociedade Brasileira de  Sociologia, realizado em Manaus (AM), que o Brasil revive as práticas desenvolvimentistas das décadas de 1960 e 1970, cujas conseqüências foram desastrosas para a Amazônia. A região, segundo ela, mantém-se no centro das discussões mundiais, mas sempre sob pressão de idéias que não consideram o modo de viver, de produzir e de pensar das sociedades que nela vivem. O Brasil, para ela, ainda se orienta por uma visão colonialista-evolucionista e por isso planeja suas políticas de desenvolvimento baseadas na dualidade progresso versus atraso. Edna Castro é doutora em Sociologia e professora na Universidade Federal do Pará. Confira a entrevista da socióloga ao repórter Wilson Nogueira.

A senhora disse, na sua conferência, que a Amazônia vive em dois mundos: o da pré-modernidade e o da modernidade. Como lidar com essa contradição?
É um dilema, né? O primeiro ponto é uma constatação. A Amazônia é falada, é vista, é discutida, é representada no mundo inteiro. É uma região que eles, fora daqui, não conhecem, eles percebem a região e o verde, mas não percebem muito bem a sociedade, não percebem muito bem a dinâmica da vida social. Hoje a Amazônia está no centro de discussão de inúmeros interesses. Podemos dizer que esse olhar sobre a Amazônia é o que transforma a representação que tem fora da Amazônia. Então, a Amazônia é uma região pós-moderna (para quem prefere esse conceito), ela está na pós-modernidade e na modernidade, no sentido de que a Amazônia está nas questões fundamentais que o mundo discute hoje. Por exemplo: a questão ambiental, que é um tema de angústia internacional, é um grande desafio porque diz respeito à própria sobrevivência não só humana, mas à sobrevivência do planeta; a Amazônia é um ponto de esperança dentro dessa possibilidade de discussão de meio ambiente. A Amazônia também é tema central quando se pensa nas possibilidades de recursos naturais, quando o mercado pensa na expansão econômica, na integração, em minérios, na pecuária, na produção industrial da madeira e dos fitoterápicos. Ela está no debate mais avançado, está em questões importantes da coletividade mundial. Nesse contexto, ela é uma região globalizada, as decisões que são tomadas são decisões globalizadas. Porém, essa mesma Amazônia é pré-moderna no sentido de que as grandes questões sociais da pré-modernidade persistem nela. Vejo isso como um grande desafio.
Qual o papel das ciências sociais nesse contexto?
Elas têm papel fundamental. Penso que a Sociologia deve uma leitura mais crítica, mais comprometida e mais original sobre a sociedade amazônica. Esse desafio não foi cumprido. Há uma série de colegas que estão trabalhando nesse sentido, mais esse fato é um desafio e, ao mesmo tempo, uma aposta que a Sociologia e as Ciências Sociais devem fazer para que o entendimento da região ou a representação dessa região, produzida dessa (nova) forma, atravesse a sociedade brasileira, porque o Brasil não conhece o Brasil, o Brasil não conhece a Amazônia. Não conhece e não tem consciência de que não o conhece.
Por isso, as instituições e pessoas que pensam o planejamento e as políticas públicas para a Amazônia - o Senado, a Câmara Federal, o Congresso Nacional e outros segmentos do Legislativo, Executivo, os intelectuais e as elites dominantes - representam, influenciam e definem de políticas absolutamente dentro de estereótipos, dentro de interesses pessoais que não dizem respeito à realidade dessa região.
Nós não podemos impedir essas representações. A mídia, por exemplo, reproduz uma representação espetaculosa da Amazônia, e ela influencia os circuitos de conhecimentos que vão sendo produzidos, repassados e se refazendo também, porque eles são dinâmicos. Não temos como atravessar essa representação de outra forma, a não ser pela produção de conhecimento mais aprofundado, mais comprometido e que rompa (com a atual situação), um conhecimento que tenha comprometimento, que tenha coragem de fazer ruptura com essas formas de interpretação e de representação da Amazônia que acabam sendo prejudiciais à vida social aqui, à vida social, à vida econômica, à historia, à memória da região, à diversidade das etnias. Esse é um grande projeto para as ciências sociais.
Qual a causa da falta desse entendimento por parte das elites políticas, econômicas e intelectuais?
Eu não diria uma causa. A sociedade brasileira é atravessada por uma mentalidade colonial, evolucionista, linear e dualista, que vê o moderno versus atrasado, que vê ricos versus pobres, que vê desenvolvimento versus subdesenvolvimento. Isso está na cabeça dessas pessoas, faz parte de uma racionalidade e de uma mentalidade brasileira. Essa mentalidade colonialista não reconhece o outro, ela funciona na lógica da invisibilidade, ela não vê o outro, ela não o vê, mas ela recria, a partir da sua imagem e de seus interesses um projeto, por exemplo, de ocupação e de aproveitamento do que existe aqui, do que aquela outra sociedade, do que aquela outra região tem para lhe dar. Essa mentalidade colonial, que é reproduzida no Brasil, essa mentalidade dualista vê a Amazônia como subdesenvolvida. No fundo, o projeto que eles elaboram é um projeto Ocidental de desenvolver uma região subdesenvolvida, o que significa desenvolver sob a imagem criaram, porque eles não podem se contrapor a essa imagem, eles não têm outra imagem da Amazônia. Por isso, diria que não se trata de uma causa, mas de um sistema de conhecimento, de uma estrutura colonial atravessa a sociedade brasileira e que acaba percebendo, na Amazônia, o que ela tem de recursos. Também é uma mentalidade da busca do europeu, do espanhol, do português, da busca do outro, as mesmas bandeiras que desbravaram o sertão em busca também de recursos. Acho que é esse a mentalidade que prevalece.
Como reverter esse problema?
A única forma de se contrapor a esse conhecimento é produzindo outro conhecimento. Isso significa produzir conhecimentos e interpretações, e torná-las visíveis, como vocês fazem, por exemplo, numa mídia comprometida, num jornalismo comprometido com essas preocupações. Existem vários profissionais na Amazônia fazendo isso. Isso significa romper com esse tipo de interpretação, mas tendo algo para colocar como interpretação a partir de uma visão amazônica.

O ambientalismo se apresenta como includente, mas essa questão pode ser vista como fundamental às incompreensões a respeito da Amazônia?
O ambientalismo ou o debate, ou a militância em torno da problemática ambiental precisa também ser vista no que há de diferente. Não se trata de uma coisa homogênea: há grupos diferentes que se filiam, digamos, dentro de um determinado ambiantalismo. Tem-se uma empresa que é poluidora, mas que está falando de responsabilidade social. Temos que distinguir sobre o que estamos falando. A bandeira ambiental, a meu ver, é consistente e coerente, mas não pode ser separada de um entendimento da sociedade, porque já se incorreu no erro de se pensar a Amazônia simplesmente pelo verde, que é pensar a Amazônia apenas como meio ambiente. Essa é uma forma de invisibilizar ainda mais as dinâmicas sociais, culturais étnicas das sociedades que vivem aqui há milênios, que construíram sistemas de conhecimento, que construíram formas e modelos de sobrevivência autênticos e originais. Essas sociedades devem provocar esse debate sobre meio ambiente; e não nós adotarmos modelos ambientalistas alienígenas.
O primeiro esforço é o de separar esses discursos, porque eles aparecem como homogêneos, mas eles não são homogêneos. Depende muito de quem formula a idéia e de quem pratica esse ambientalismo, e como a sociedade é uma sociedade de classes, torna-se, também, uma sociedade de interesses diferentes; é, do mesmo modo, uma sociedade múltipla e nós temos que essas propostas ambientalistas também são propostas múltiplas, de acordo com os atores e sujeitos que trazem essa proposta. Esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto: é que a questão ambiental é central, ela tem uma centralidade nas discussões da sociedade regional. Não dá para se deslocar da Amazônia esse debate ambiental, mas dá para problematizá-lo e enriquecê-lo a partir de que? A partir das percepções, a partir do conhecimento dessa região que foi produzida pelos diversos grupos sociais aqui existentes e, também, pela sociedade nacional. Nesse caso há uma aliança de grupos que se dá em nível nacional, não se dá apenas em nível regional. Essa dimensão nacional precisa ser resgatada na importância que ela tem.

São recorrentes os vários pontos de tensão entre a Amazônia e Brasil. As decisões ou indecisões sobre elas têm destinos definidos na política...
Entra aí a relação Estado versus sociedade e a produção do conhecimento científico. O primeiro ponto é que temos que ampliar a nossa capacidade institucional de fazer pesquisa. Temos que tomar em mãos um pouso isso: institutos de pesquisas, produção de conhecimento, recursos para pesquisa, porque a Amazônia sempre ficou mal servida dos recursos públicos para a área da pesquisa, e esse campo tem que avançar, aumentar os programas de pós-graduação e abrir novos campos de produção de conhecimento na região. Isso me parece que é um ponto fundamental, sobretudo, porque as políticas públicas de desenvolvimento para a região trabalham numa abordagem que volta um pouco aos anos sessenta, de uma perspectiva desenvolvimentista, de desenvolvimento de infra-estrutura, de grandes projetos, e muitas vezes esses projetos deixam de fora toda a dimensão social. Pensam mais numa dimensão econômica, achando que o econômico, a médio termo, vai acabar resolvendo os problemas da sociedade, os problemas de infra-estrutura, os problemas de falta de recursos para a educação, para a saúde, melhoria das cidades, enfim, que são problemas cruciais que a Amazônia tem em todos os seus estados. Sabe-se que os índices de IDH dos Estados da Amazônia e dos municípios da Amazônia são os mais baixos do Brasil.
Quando pensarmos em política, por exemplo, temos que pensar num quadro que temos: as duas metrópoles da Amazônia, porque eu considero Manaus também como uma metrópole, estão entre as dez primeiras em situação de maior precariedade do Brasil, e Belém é a terceira. Quando pensarmos em desenvolvimento, temos que pensar nisso, isso é fundamental. Não é só o desenvolvimento de estruturas empresariais e econômicas, porque muitas vezes, como no caso da Jari, deixa de muito pouco de desenvolvimento regional. Quer dizer: tem uma grande empresa de fábrica produzindo celulose e grandes plantações de melina, pinos etc. e, por outro lado, tem-se um beiradão com uma população enorme vivendo em péssimas condições.
A mesma coisa é termos um imenso projeto de mineração Carajás e ter-se uma pobreza em volta dele. Então, no conceito de desenvolvimento, tem que estar contida a solução para esses problemas gravíssimos que a população tem. Nesse início de século voltamos, portanto, a questões cruciais que, para as Ciências Sociais, conduziram os debates dos anos sessenta. Um dos temas mais marcantes do debate nas Ciências Sociais, na Economia, na Sociologia, na Política e na Antropologia e na Geografia eram o desenvolvimento e o subdesenvolvimento, e sobre como encontrar um modelo mais adequado para a Amazônia. Hoje estamos no início de outro século, mas nós estamos voltando às políticas, pelo menos as que nos avizinham, de perspectiva mais desenvolvimentista, que recupera uma dimensão e uma lógica dos anos sessenta, cujas conseqüências nos as conhecemos muito bem. Isso não me deixa desconhecer que há muitas políticas sociais no atual governo.
Para fechar esse pergunta, quero dizer o seguinte: desenvolvimento de ciência e tecnologia não é uma coisa neutra que paira acima dos mortais, ciência e tecnologia é uma coisa muito concreta. Quando se faz ciência e tecnologia tem-se que saber para o que se faz. Portanto, pensar ciência e tecnologia para o desenvolvimento, é pensá-la para o desenvolvimento do conjunto da sociedade e que todos tenham o direito de acesso aos resultados desse conhecimento; e os resultados desse conhecimento não podem se beneficiar apenas algumas empresas ou algumas regiões em detrimento da maioria da sociedade. Isso significa colocar no centro da discussão o direito, os direitos sociais, a noção de justiça, a noção de equidade como fundamentais dentro de um modelo mais avançado de desenvolvimento.

QUESTÕES SOBRE O TEXTO – REFLETINDO PARA O DEBATE

1)       O que a autora pretende expressar quando relata que o Brasil não conhece o Brasil, o Brasil não conhece a Amazônia? Quais as conseqüências desse desconhecimento sobre a Amazônia e como a mentalidade que predomina no Brasil pode afetar os rumos da região?
2)       Por que o ambientalismo pode mascarar os problemas da Amazônia e na visão da entrevistada, como as populações devem ser inseridas nesse debate?
3)       No último bloco do texto a autora tece duras críticas aos rumos e concepções de desenvolvimento que a Amazônia vem tomando. Resuma a principal critica da autora retirando alguns exemplos que evidenciem essa maneira errônea de conceber o desenvolvimento na região.
4)       Qual é o papel da ciência e tecnologia para o desenvolvimento da região amazônica segundo a socióloga Edna Castro? 

Manaus da borracha: ilusão urbana ou Paris dos Trópicos?

Manaus da borracha: ilusão urbana ou Paris dos Trópicos?

                                                                                 A boa vida da ‘belle époque’ é uma falácia (Márcio Souza)

  Com a riqueza advinda da exploração dos trabalhadores nos seringais, Manaus, a capital mundial da borracha no final do século XIX pode reestruturar-se de acordo com os anseios de suas elites, que pretendiam modernizar e embelezar a cidade a seu critério. Para isso, era preciso destruir os antigos costumes e tradições, onde a população mais pobre acabava sendo prejudicada por serem expulsos das áreas a serem “modernizadas” e excluídos das suas benesses.
  Com o rápido crescimento da cidade que atraia cada vez mais fluxos migratórios, Manaus passou em 1852, de 8.500 habitantes, para 50.300 habitantes em 1890. Esse crescimento não foi compatível com a qualidade desejada pelas elites, que se esforçavam ao máximo em esconder as mazelas existentes na cidade.
  Encantado com o projeto urbanístico que copiavam padrões europeus, o então governador Eduardo Ribeiro passa a encampar tais reformas de modificação de Manaus. Os igarapés que atravessavam a cidade foram aterrados, as casas de taipa* foram destruídas, e assim as populações carentes e segregadas passaram a sofrer falta de água, saneamento, transporte e saúde, pois os sistemas implantados chegavam apenas para as residências da elite em ascensão. A ostentação e luxo dos casarões e do teatro Amazonas contrastava com a pobreza da maioria da população. Edinea Mascarenhas Dias (2007) em seu livro A ilusão do Fausto, descreve com clareza as condições das populações no período:

  O que se percebe, ao se tentar recuperar a constituição histórica de Manaus como capital da borracha, é que o poder público, associado aos interesses privados, desenvolve uma política de pressão, exclusão e dominação contra pessoas ou grupo de pessoas que emergem na cidade, e que não se enquadram nos conceitos dos valores da elite local. Foi necessário desenvolver uma política de preservação e defesa da ordem urbana e, na medida em que os valores são afrontados, cabiam providencias de excluir do espaço urbano os pobres, desocupados, doentes, pedintes, prostitutas, vadios, etc. Numa cidade de “fausto”, a doença, a pobreza, a vagabundagem agrediam e, ao mesmo tempo ameaçavam a ordem e a harmonia da cidade que se projetava na representação da burguesia, como limpa, ordeira e sem problemas (p.120).   

   Portanto, ao se ouvir falar que Manaus já foi rotulada como a “Paris dos Trópicos” como muitos propagam com orgulho, ou quando veneramos monumentos deixados pela “fase áurea”, cabe-nos fazer as ressalvas acima explicitadas, indagando se foram todos os citadinos e amazonenses que gozaram de tal prosperidade.

Estevan Bartoli

* casas de taipa: construídas a partir de madeiras cruzadas preenchidas com barro e com telhados de palha

Populações tradicionais da Amazônia

Populações tradicionais da Amazônia


Com a emergência da questão ambiental nos últimos anos, tornou-se mais evidente que as populações tradicionais[1], seringueiros, castanheiros, ribeirinhos, quilombolas, mas principalmente as sociedades indígenas, são de extrema importância, pois se desenvolveram mediante observação e experimentação, possuindo um extenso e minucioso conhecimento dos processos naturais e, até hoje, constam como as únicas práticas de manejo adaptadas às florestas tropicais.
A compreensão de maneira mais precisa destas populações e de seu padrão de uso e ocupação do espaço é cada vez mais urgente na formulação de políticas de conservação que venham a prejudicar esses povos ou visem ocupar a floresta com atividades econômicas.
Esses saberes passam a ser valorizados a partir dos anos 80, com intuito de orientar o debate sobre a preservação de ecossistemas, vista o enorme confronto pela apropriação da terra por grandes grupos econômicos, que se apropriam do território dessas que possuem frágeis mecanismos de defesa de suas condições de vida. Essas populações no Brasil– caiçaras, ribeirinhos, seringueiros, quilombolas e outras variantes – em geral ocupam a região há muito tempo, não têm registro legal de propriedade privada individual da terra, definindo apenas o local de moradia como parcela individual, sendo o restante do território encarado como área de uso comunitário, com seu uso regulamentado pelo costume e por normas compartilhadas internamente.
Portanto, as ações práticas desses grupos respondem por um entendimento formulado na experiência das relações com a natureza, informando o processo de acumulação de conhecimento através de gerações. São formas múltiplas de relacionamento com os recursos naturais, com ricas variedades, possibilitando também a construção da rica cultura integrada à natureza que esses povos possuem.
A grande densidade de povos ancestrais aos europeus na Amazônia, foi capaz de manejar os habitats, que acabaram sendo moldados por essas populações. A socióloga Edna Castro, defende que o meio natural e povos tradicionais possuem uma relação de interdependência, onde:

“A existência dos recursos biológicos está diretamente vinculada a um sistema ancestral de coexistência sustentável entre os homens e o ambiente, razão pela qual esses recursos dependem da sobrevivência desse sistema. A destruição do hábitat natural da comunidade está secundada pelo seu desaparecimento como sistema cultural e vice-versa, pois um sem o outro é insustentável (CASTRO- 2000)”.

Recentemente, o Governo Federal (2007), baixou decreto (n°6.040) que estende às populações tradicionais os mesmos direitos concedidos na Constituição de 1988 aos indígenas e quilombolas, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, além de respeito à valorização de identidade daquelas populações, às suas formas de organização e às suas instituições.  Tais populações - a maior parte sem documentos de identidade, totalmente à margem dos direitos civis - habitam sobre um quarto do território brasileiro, em todas as regiões do País, formando um contingente de cerca de 5 milhões de pessoas, equivalente à população de muitos países europeus.
Vários são os desafios em relação a essas populações, como:

·         Garantir e reconhecer o direito das populações tradicionais sobre a biodiversidade e aos saberes tradicionais, protegendo-os, como uma questão de soberania nacional e proteção à biopirataria.
·         Proteger a sociodiversidade associada à biodiversidade, pois as populações tradicionais ajudaram a preservar tais ecossistemas.
·         Garantir os direitos civis e o acesso à terra dessas populações tão pressionadas pelos grupos econômicos de grande poder.
·         Garantir educação de qualidade adaptada à realidade de cada comunidade, visando a manutenção dos saberes tradicionais, e potencializando essas habilidades para uma melhora na qualidade de vida.


[1] populações tradicionais: [...] populações classificadas como ‘tradicionais’, isto é, das que apresentam um modelo de ocupação do espaço e uso dos recursos naturais voltado principalmente para a subsistência, com fraca articulação com o mercado, baseado em uso intensivo de mão-de-obra familiar, tecnologias de baixo impacto derivadas de conhecimentos patrimoniais e, habitualmente, de base sustentável. (ARRUDA -2000).

Estevan Bartoli