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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

DOS MITOS AMAZÔNICOS AO PENSAMENTO GEOGRÁFICO


DOS MITOS AMAZÔNICOS AO PENSAMENTO GEOGRÁFICO

Desde a passagem dos primeiros viajantes europeus, nos relatos e representações produzidos, até os atuais discursos, seja na mídia, escolas, ou corriqueiras conversas do dia-a-dia, persiste a idéia de enxergar a Amazônia pela temática ambiental.
A partir de discursos alheios à realidade local, o espaço amazônico passa a ser adjetivado através do exotismo, onde os “encantos”, “riquezas” e “mistérios” começam a se perpetuar no imaginário da população brasileira, a partir de idéias que vêem a região com uma ótica e uma lógica vindas de “fora”. Essas imagens idealizadas sobre a Amazônia alçadas ao senso comum, passam a povoar nosso inconsciente, onde os mitos criados ganham força e consistência duradoura.
Como dizia Armando Mendes já em 1974 em seu livro A Invenção da Amazônia, a imagem da região foi construída de fora para dentro, priorizando a paisagem, mas deixando invisíveis os seres humanos que aqui vivem.
Esses mitos sobre a Amazônia capturam parte significativa da realidade, pois são pautados na grandiosidade natural inegável da região, que alimenta delírios e deságuam em mitos que simplificam a realidade. Exemplos não faltam, vejamos alguns mitos famosos sobre a região desde os mais antigos, Eldorado, Paraíso Perdido, Celeiro do mundo, aos mais recentes Inferno Verde, Gigante Natural, Pulmão do mundo, Vazio Demográfico, entre muitos outros...
Assim, esses mitos são renovados ao bel prazer e a interesse de quem os produz, retornando com força e  reintroduzidos ao longo do tempo, onde a cada fase de apropriação da natureza amazônica, se torna preciso calar e minimizar as populações que aqui residem e impor a ideologia dominante.
A sensação de que há sempre algo a ser “descoberto” na Amazônia, leva a enxergarmos a região como promessa de resolver os problemas que estão fora dela. Ouro, madeira, drogas, remédios, eternas buscas do mercado global, que recentemente somam-se à água, soja, gado, biomassa e minérios, fora a biodiversidade vista como mercadoria.
Como esbravejaram alguns grupos à tempos: a Amazônia é do Brasil! Vamos aproveitar suas riquezas! Velho discurso que encontra força na “redescoberta” da região, onde a promessa atual paira na megabiodiversidade, colocada no pedestal como fonte futura das riquezas, passível de resolver todos os problemas regionais, mas constando como mais um termo que minimiza e simplifica a realidade local.
Nos meus 11 anos de magistério como professor de geografia, incontáveis foram as vezes que me deparei com pais e mães de alunos me dizendo: “mas como meu filho tirou nota baixa se geografia é só decoreba?”. Ouvir essa frase sempre me incomodou duplamente, pois sabia que meus alunos não obtiveram aprendizado suficiente, e que eu havia falhado em algum lugar, mas principalmente, por que a geografia persistia ainda em ser vista daquela maneira.   
Pois bem, aqui vai o convite para mergulharmos no Complexo da Amazônia analisado neste livro, como dizia Djalma Batista, usando a ciência geográfica como instrumento analítico das múltiplas realidades espaciais amazônicas. Biodiversidade? Sim, mas também sócio-diversidade, etno-diversidade, eco-diversidade, geo-diversidade, entre outras. Desmistificar parte das idéias errôneas sobre a região, e analisar a evolução da ocupação de seu espaço geográfico é a proposta desse livro, que visa instigar os alunos e professores a um rico debate sobre os destinos, alternativas e rumos da maior floresta tropical do planeta.
Preservação ambiental aliada aos avanços das condições sociais, geração de renda, mas principalmente distribuição de renda, melhorias urbanas (pois hoje 70% da população da Amazônia vive em cidades) mas principalmente o direito à cidade, à cultura e ao lazer, são questões e anseios de urgência frente ao depauperado quadro social amazônico agravado pelo aumento da pobreza.
 Se faz necessário buscar criativas alternativas para uma região ampla e heterogênea, mas com múltiplas vozes, democracia e participação popular. A tão recente e esperada democracia brasileira, não pode se refugiar no plano discursivo e deve ser reinventada “por baixo” e no nosso caso amazônico, “por dentro”, para não enrijecer como mito a qual ruma.
Para isso serve a geografia, para mostrar aos políticos e gestores dos distantes gabinetes de Brasília, que a Amazônia não pode nem deve ser o espaço de reserva do “desenvolvimento” predatório que avança sem critérios e sem respeito ao destino dos que aqui dependem da floresta.     
Hoje, como professor da Universidade do Estado do Amazonas sinto o anseio de repassar aos jovens estudantes que representam o futuro da Amazônia, parte do trabalho de grandes pesquisadores, que me emprestam a maior parte das idéias aqui empreendidas nesse livro me ajudando assim a derrubar mais um mito: o de que a geografia é só decoreba! Bons estudos.

Prof. Estevan Bartoli   

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